Ontem me encontrei com um dos meus vizinhos sentado na calçada. Como sempre, ele insistiu para que eu sentasse um pouco e eu aceitei. Ele passou a mão na testa e disse: "Eu não estou bem hoje". Eu disse: "Também seu Amaro, o senhor já não é mais um garoto para não sentir nada, isso é mais do que normal". "É mesmo!" - disse ele - "faltam 3 meses para eu completar 90 anos".
Eu perguntei: "Tem muitas histórias para contar em seu amaro?" "Muitas meu filho a minha vida dá um filme: eu fui para o exército, depois fui delegado de polícia, até padre eu já fui... Eu tenho um punhal no meu peito!" - disse ele com os olhos nadando em lágrimas - "Uma dor meu filho, que não tem remédio, porque ela é a dor da culpa..."
"Em 1957 eu me envolvi com uma mulher de família complicada, minha mãe não aceitou o meu relacionamento com ela, mesmo assim ela engravidou de mim e teve um filho. Como a minha família não queria, eu não casei com ela e a perdi de vista, ela e meu filho."
Eu notei que seu amaro perdeu a voz e quase não conseguia continuar me contando a história. Mas ele se recuperou e continuou: "14 anos depois eu me encontrei com meu filho engraxando sapatos. Aquilo me doeu tanto que não tenho palavras. Ele se dirigiu a mim e disse: "Pai porque você me botou no mundo? Só para sofrer?" Convidei ele para morar comigo, mas ele disse que era tarde demais para eu querer ser seu pai agora, eu não tive autoridade para dizer que ele estava errado e fui embora."
"O tempo passou... Em 1997 um dos meus filhos andando pelo Ceará em uma caminhonete parou em uma cidade e um homem veio até ele, viu a placa da caminhonete e perguntou se ele era de Mossoró. Meu filho respondeu: "Sou porque?" "Você conhece um senhor que se chama Amaro?" "Conheço, é meu pai porque?" E o homem respondeu: "Ele é meu pai também!" Conversaram bastante e meu filho chamou o irmão para vir com ele, mas ele disse que não podia porque estava viciado em drogas e não queria aparecer da forma como se encontrava. Mas mesmo assim ele ficou com o número do meu telefone."
"No ano 2000, o meu telefone tocou, eu atendi, era ele: "Oi pai tudo bem?" Eu não sabia o que dizer a não ser me desculpar e pedir que ele viesse para a minha companhia. Ele me disse que não podia, ele estava com um grande intriga e podia ser morto a qualquer momento por seus inimigos. Não queria levar para mim um perigo desses. Mas me pediu que se ele fosse assassinado, eu tomasse conta do filho dele que na época tinha 5 anos."
"8 anos se passaram e o telefone tocou, fui atender. A pessoa disse perguntou se era da casa de seu amaro. Eu respondi: "É! Sou eu, Amaro pode falar!" "Aqui é a mulher do seu filho Zezinho, aqui do Ceará..." "Sei moça pode falar!" "É que ele foi assassinado e pediu para eu mandar o menino pra ir para a sua companhia."
"O menino veio! Hoje mora comigo. Ele já estava usando drogas aos 13 anos quando morava lá, agora ele mudou já tem 15 anos, é evangélico e tudo que é meu vai ficar para ele, uma forma de reparar o que eu fiz com o pai dele. Tenho certeza que vou morrer com essa culpa de não ter dado ao meu filho a oportunidade de ser feliz..."
Depois que eu ouvi tudo eu falei para ele que 90 anos já era um peso muito grande para ele carregar, deixasse que a culpa dele fosse amortecida nos exemplos para as gerações futuras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário